quinta-feira, 30 de abril de 2009

Carta ao meu primeiro amor

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Estou te escrevendo esta carta para me redimir de uma fraqueza passada. Talvez se eu estivesse feito isto que estou fazendo agora a gente estaria junto há 18 anos. Nós tínhamos seis à época. Eu queria te dizer que eu te amei. Me perdoe por nunca ter te revelado isto antes, mas é que nesta idade os meninos têm um certo medo das meninas, especialmente das que a gente gosta. Por isso eu sentava tão distante de você na sala. Mas eu gostei de você desde o começo da escola. Acho que é isso o que chamam de amor à primeira vista. Você foi a única dentre todas as meninas que não chorou quando sua mãe foi embora no primeiro dia de aula. Desde então, eu sempre admirei a sua personalidade forte e a sua independência. Você não era a menina mais extrovertida da sala, tampouco a mais tímida. Mas sempre guardou no seu sorriso discreto um charme que eu passei a procurar nas meninas até hoje. Várias vezes eu tentei te impressionar, mas acho que eu nunca consegui. Claro que você não vai se lembrar, mas eu me recordo perfeitamente. Certa vez, teve uma partida de futebol contra os meninos da outra sala. Enquanto as outras meninas brincavam de queimado, você ficou vendo o futebol. Aquele foi o jogo mais importante da minha vida. Você comemorando quando eu marquei um gol foi a grande emoção da minha infância até eu ganhar um Atari. Outro detalhe que eu lembro de você é que enquanto as outras meninas tinham mochilas cor-de-rosa, do ursinho puff, ou floridas, a sua não. A sua era azul, sem nenhuma marca. Você devia ser filha de pais alternativos, provavelmente eles devem ter curtido um nas dunas do barato... O seu cabelo era preto, liso. Você era daquelas meninas que a gente já reconhece que são bonitas, mesmo de costas, sem ter visto o rosto ainda. Eu não lembro se fui eu ou você quem saiu da escola primeiro, mas a partir dali acabou meu amor platônico por você, devido à distância e ao tempo, essa fórmula que a gente ainda não descobriu melhor para esquecer os amores. Bem, hoje em dia, você deve continuar linda, em algum lugar do mundo. Provavelmente a gente não reconheceria um ao outro. Você, eu tenho certeza que não, mas eu talvez sentisse algo diferente. De qualquer forma, eu só queria te dizer que você foi o meu primeiro amor e que eu daria tudo para lembrar o seu nome.

Com carinho,
Júlio

quinta-feira, 23 de abril de 2009

O jornal e a noite


Eu sou um cara meio metódico. Meio não. Bem metódico. Ao acordar, gosto de pensar no que vou fazer ao longo do dia, mesmo nos fins de semana. Por exemplo, não importa o que eu faça à tarde, eu tenho que ter um tempo disponível para dormir depois do almoço. É nessa hora que eu leio o jornal (daí vem a origem do sono vespertino). Mas mesmo para um ser metódico como eu, durante o dia ocorre o imprevisível. Um encontro que você não esperava, uma noitada que você não tinha programado, enfim... Tem uma coisa, no entanto, que eu não consigo mudar: eu não consigo ler o jornal antes de dormir (à noite). Eu acho que o jornal e a noite não combinam. Não é pelo fato de as notícias já estarem velhas, e ser mais fácil se atualizar pela internet. Pelo contrário, eu prefiro mil vezes a notícia impressa. É que eu acho que o jornal, esse papel pardo cheio de letrinhas, é a expressão da realidade, de uma certa frieza, do cru. E a noite, não. A noite representa o onírico, a véspera do sonho, a imaginação. A cor da noite contrasta com a cor do jornal. A noite pede um livro, um filme, uma cerveja. Todos alucinógenos. E o jornal é a contraposição a isso tudo. O jornal é o careta, é o sal de frutas, é o... dia seguinte.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Big Brother Botafogo


Bem, este texto como o próprio título sugere não deve atrair muito a atenção dos leitores deste blog. Segundo estimativas não oficiais, apenas 10% dos intelectuais brasileiros assistem ao BBB. E para ler este blog, diga-se de passagem, há de ser um intelectual para compreender a complexidade dos temas abordados! Já os botafoguenses (com muito orgulho) somos menos de 10% da população. Portanto, segundo a regra matemática da probabilidade, menos de 5% dos leitores são botafoguenses e assistem ao BBB (se bem que a maioria dos intelectuais é botafoguense e vice-versa...). Enfim... Eu vejo no BBB um espelho do país e um campo de reflexão para a nossa sociedade. Justifico-me: o IBGE e o IBOPE juntos não devem atingir 3% da população em suas pesquisas, o BBB, por outro lado, abrange 70% dos brasileiros. E grande parte destes participa ativamente do mesmo, votando. Vou citar um exemplo concreto: a vitória do Jean Willis (aquele professor homossexual) mostrou que a população vem superando preconceitos, afinal quem imaginaria um gay campeão do BBB? (quem dissertou sobre esta teoria foi o antropólogo Roberto da Matta, um dos poucos intelectuais que assiste ao reality). Nesta edição, a Ana (a loira chorona) permaneceu invicta em sete paredões. Ela era, para mim, a personificação do ''Complexo de vira-latas'', do Nelson Rodrigues. Era a única explicação para o povo não tirar ela da casa. Como dizia o escritor, o brasileiro gosta do coitadinho, do fraco, do sem-confiança. Aí veio o Max, o ''arrogante''. O cara que batia no peito e falava ''eu sou o cara'' (como um certo Baixinho, que a imprensa também sempre considerou prepotente, mas que de fato era ''o cara''). Além do carisma, o Max tinha essa qualidade do ''confiante'', do ''vamo que vamo''. E a vitória dele me mostrou uma certa mudança de percepção do brasileiro, de admirar, sim, a confiança, a segurança. E por que não? Acreditar em si, enfim... Bem, o paralelo entre o BBB e o Botafogo é o seguinte: O Botafogo também tem esta sina de ser o coitadinho, o sofredor, o pessimista, como dizia o mesmo Nelson: ''Ponham uma barba postiça num torcedor do Botafogo, deem-lhe óculos escuros, raspem-lhe as impressões digitais e, ainda assim, ele será inconfundível. Por quê? - há, no alvinegro, a emanação específica de um pessimismo imortal (...)'' Portanto, chegou a hora de mudar isso. Assim como quis o povo brasileiro neste BBB, que ganhasse o confiante, o cheio de si, o otimista. Neste Estadual, se Deus quiser, o Botafogo também chutará, literalmente, este pessimismo para a rede do Fla. Ah, o Botafogo também tem outra característica que lhe é inerente: a superstição. E o Max, quem diria, é botafoguense! Vamo que vamo!!

domingo, 5 de abril de 2009

Sugestão de monografia a um amigo sociólogo

O porteiro é, entre todas as atividades profissionais, o trabalhador que mais pensa. Não em termos intelectuais, mas estatísticos. Você já deve ter tido a experiência de trabalhar em lugares onde você fica tão ocupado durante o expediente, que quando vê, já está na hora de arrumar suas coisas e ir embora. Por outro lado, há certos trabalhos no quais você não faz lá muita coisa, enrola mais do que trabalha. Quem já trabalhou ou trabalha no serviço público sabe bem do que estou falando. Nestas, desculpem o chavão, o tempo não passa. A cabeça, em compensação, está longe do escritório e dos papos irrelevantes do chefe. A profissão de porteiro enquadra-se nesta segunda definição. Num turno de oito horas, somando-se o aperto de botões para abrir e fechar o portão e eventuais ''interfonemas'', o total de trabalho efetivo deve dar uns 20 minutos. Ou seja, nas outras 7 horas e quarenta minutos, ele pensa. Sortudos aqueles que não são proibidos pelos síndicos de ouvir o tradicional radinho de pilha, com as notícias diárias do futebol. Ah, o porteiro também tem essa atributo voluntário, de informar o resultado dos jogos quando você está na rua. Bem, o porteiro é definitivamente uma profissão que me intriga. Talvez motivado pelo fato de eu morar em Copacabana, princesinha do mar. Mar de prédios. Já escrevi certa vez sobre minha curiosidade pelo fato de não existirem porteiros mulheres. Em oito meses nos EUA, não vi um sequer, e olha que eu visitei diversas cidades. Por sinal, não sei nem como se fala porteiro em inglês (suspeito que seja doorman). À Europa eu nunca fui, mas a reação irônica de um colega de classe francês quando eu descrevi a função, já que não sabia a palavra, me indica que eles também não têm. Parece que na África, por outro lado, eles, os porteiros, estão lá. Definitivamente, existe uma relação econômica nisso. Assim como o caso das empregadas domésticas, que são privilégios de países subdesenvolvidos. Além, penso eu, de o porteiro ter uma certa função de vigia nestes países que convivem diariamente com a violência. O porteiro é, a meu ver, uma profissão menosprezada pelos antropólogos e sociólogos brasileiros para um melhor entendimento da cultura tupiniquim. Pode-se através deles, por exemplo, analisar o ciclo migratório nordeste-sudeste; um certo machismo enrustido do brasileiro, já que não existem mulheres nesta atividade; o futebol como integração entre as classes sociais. Enfim, vários aspectos. Portanto, Daniel, caro amigo, fica aqui minha sugestão de monografia. Sem royalties.

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